Taís de Atenas

Há livros que se colam a nós, que nos acompanham de perto. Tão de perto que não conseguimos deixar de ser fortemente influenciados por eles em tudo o que fazemos durante o estado acordado, fora do sonho da sua leitura. Tão de perto que depois de lida a última frase sentimos um vazio medonho e uma inevitável solidão por compreendermos, à lei do martelo, que a nossa vida segue um rumo invariavelmente distinto daquelas durante semanas ou meses entranhadas na nossa epiderme.

"Taís de Atenas", de Ivan Efremov, publicado em 1972, cinzelou mais um pedaço do meu coração.

O Dia de Hoje

Ao acordar as minhas memórias são inicializadas, começam do zero, levam-me a ser sempre a mesma pessoa e com as expectativas de um recém-nascido com segundos de vida. Não há evolução possível numa situação destas, quando tudo tem de ser pensado sem recurso a um registo sólido do que foi vivido e decidido anteriormente.

Tomo por isso as mesmas decisões a cada dia que passa. Sou o mesmo ser em todos os dias vividos, observo tudo de forma recorrente, ainda que para os meus olhos tudo seja invariavelmente novo.

partimos...

partimos para uma cidade de cristal,
para um altar de gelo que nos acolhe.
partimos para um segundo ténue
para um momento inexistente
e para uma localidade qualquer.

recolhemos o que nos sobra em tempo
avaliamos o espaço em dias.

sobre nós cai a sombra
a vela de um esgar em ruína.
uma maldita época,
uma estação sem saída.

Ponto

A amizade é eterna e suave ao contrário do amor: efémero e violento. Mas o eterno e o suave desaparecem totalmente do meu universo quando um pequeno ponto entre e tempo e o espaço se ilumina, quando uns olhos sós sem objectivo e quase sem vida se deixam violentamente cair num bater de coração vizinho. O electrocardiograma, ainda que incerto, segura-se sem desaparecer. Pelo menos acompanha-me neste curto, breve, grave e violento instante.